Após um período ausente, resolvi escrever algo, depois de uma conversa com meu amigo "Two". Sem a pretensão de um tratado científico, aqui vão apenas alguns aspectos que já observei e estudei durante algum tempo.
Comecemos pela impulsividade, sobretudo por gastos, que parece ser a mais importante clinicamente. O borderline pode ter impulsividade por gastos, comida, ou seja lá o que for, para tentar preencher uma saciedade que ironicamente nunca é saciada. Enquanto o bipolar usualmente faz gastos (quando é o caso) simplesmente por euforia, o borderline faz gastos para tentar preencher seu vazio interior. Neste caso o borderline compra/adquire coisas sem valor real agregado em busca de tentar preencher seu vazio e sofrimento de uma forma imediata. Porém o resultado prático é geralmente o mesmo, embora as razões sejam diferentes em sua essência entre os dois transtornos. Já outros borderlines podem se cortar. Aliás, uma grande parte se corta, segundo estatísticas médicas¹: cerca de 52,2% se cortam. Os motivos podem ser vários, incluindo a necessidade de talvez sentir alívio ao saberem que não estão de fato vazios literalmente, o que seria uma "semi-psicose"*. Outros, borderlines, mais raramente, conseguem se encontrar de fato na vida, descobrirem um propósito de vida, um lugar no mundo, o que ameniza muito o transtorno como um todo. Ah, a diferença básica entre um borderline e um bipolar provavelmente está aí! Resumindo bastante, o borderline tem oscilações de humor por causa de sua falta de sincronia com o mundo, com a sociedade, então quando ele "se encontra" no mundo, encontra um papel a desempenhar no mundo, suas oscilações consequentemente diminuirão bastante.
O bipolar, nesse mesmo contexto, tem a origem de seu transtorno nas "pontas" e não na "raiz", como é o caso do borderline. O bipolar tem oscilações de humor independente de seu papel no mundo, sendo algo mais bioquímico e menos existencial, enquanto que o borderline tem suas oscilações de pensamento/ideações/humor por causa de sua distorção intrínseca em relação ao mundo, sendo algo mais existencial, onde não podem ser descartadas a problemática genética e de desordem bioquímica cerebral, naturalmente, que no mínimo contribuem para que o transtorno seja desenvolvido em determinados grupos mais suscetíveis, posto que quase todos são submetidos a condições semelhantes, porém apenas uma minoria desenvolve o transtorno propriamente dito.
Diante disso, o bipolar não costuma melhorar com a idade, embora sua impulsividade possa diminuir com a idade, enquanto que o borderline comprovadamente melhora com a idade², sobretudo após os 35 anos, mas em contrapartida responde de maneira menos previsível às medicações. Posto que isso é óbvio: como há de se tratar uma
personalidade através apenas de medicações? Isso é virtualmente impossível.
Referências:
¹ Carolyn Zittel Conklin, Ph.D. Drew Westen, Ph.D. (American Journal of Psychiatry, 162:5, May 2005. Table 3)
² Paris J, Zweig-Frank H. A 27 year follow-up of patients with borderline personality disorder. Compr Psychiatry 2001;42:482-7;
Zanarini MC, Frankenburg FR, Hennen J, Silk KR. The longitudinal course of borderline psychopathology: 6-year prospective follow-up of the phenomenology of borderline personality disorder. Am J Psychiatry 2003;160:274-83;
Gunderson JG, Morey LC, Stout RL, Skodol AE, Shea MT, McGlashan TH, et al. Major depressive disorder and borderline personality disorder revisited: longitudinal interactions. J Clin Psychiatry 2004;65:1049-56.
* Eu mesmo já tentei me cortar e senti alívio ao ver meu sangue adentrando uma seringa, vendo de uma forma "semi-psicótica" que não sou oco, no sentido literal.